FÉRIAS: USO SAUDÁVEL DE ECRÃS

Catarina da Isabel, Musicoterapeuta e Terapeuta da Fala

As férias são, para muitas crianças, um tempo aguardado com entusiasmo: menos horários rígidos, mais liberdade e tempo livre. Mas é também nesse tempo mais “solto” que muitos pais se veem diante de um desafio comum – o uso excessivo dos ecrãs.

Como equilibrar o descanso, a brincadeira e o digital? E como fazê-lo respeitando o desenvolvimento neurológico, emocional e comunicativo da criança? A pediatria neurocompatível parte de um princípio essencial: respeitar os ritmos naturais e o desenvolvimento do cérebro infantil. Isso significa reconhecer que o cérebro da criança precisa de movimento, de afeto, de experiências sensoriais reais e de relações humanas vivas para crescer com saúde.

Os ecrãs não são, por si, “vilões” – mas quando usados em excesso ou sem critério, substituem experiências fundamentais para o desenvolvimento neurológico e relacional. E nas férias, esse risco aumenta.

Do ponto de vista da terapia da fala, o uso excessivo de ecrãs pode ter consequências diretas na aquisição da linguagem e na qualidade da comunicação: 

  • Menos interação humana, menos linguagem real: a linguagem aprende-se na troca, no olhar, nos gestos, na escuta ativa e nas respostas espontâneas. Os ecrãs são unidirecionais – não escutam, não ajustam a linguagem, não esperam;

  • Menor vocabulário e estrutura frásica limitada: crianças expostas sobretudo a conteúdos visuais repetitivos (como vídeos ou jogos automáticos) tendem a usar frases mais curtas, com vocabulário pobre ou estereotipado;

  • Défices na atenção partilhada e nas competências sociais: o desenvolvimento da linguagem oral está intimamente ligado à capacidade de manter atenção conjunta, interpretar expressões faciais e adaptar a comunicação ao outro – tudo isto se constrói nas relações reais, não com ecrãs;

  • Atrasos de linguagem em crianças mais pequenas: vários estudos e a prática clínica mostram uma relação entre o uso precoce de ecrãs e atrasos significativos na linguagem expressiva e compreensiva. 

O que o cérebro (e a linguagem) da criança precisam nas férias:

  • Movimento livre: o corpo em ação estimula o cérebro e apoia o desenvolvimento motor oral e a consciência corporal

  • Brincadeira simbólica: imaginar, representar, narrar: tudo isto é linguagem em construção

  • Conversas reais: sem pressa, com escuta, com tempo para o silêncio e a resposta

  • Leitura em voz alta: momentos partilhados de histórias são um presente para o cérebro e para o vínculo

  • Tédio criativo: quando não há distração constante, há espaço para imaginar, perguntar, inventar

Ecrãs com Intenção: Como Usar de Forma Consciente 

✅ Crie regras com a criança: em vez de impor, converse e estabeleçam juntos limites razoáveis

✅ Dê o exemplo: o uso dos adultos influencia diretamente o comportamento das crianças

 ✅ Diferencie uso passivo e ativo: jogos educativos e vídeos interativos não substituem conversas reais, mas podem ser incluídos com critério

✅ Crie rotinas previsíveis: tempo com ecrã com início e fim claros, intercalado com tempo livre sem tecnologia

✅ Evite o ecrã como calmante emocional: ajude a criança a nomear o que sente em vez de “desligar” o sentir

Aqui seguem algumas ideias práticas para um verão com equilíbrio:  

  • Ver um filme em família e conversar sobre os personagens e a história

  • Usar apps criativas (desenho, música, construção) com tempo limitado

  • Ler juntos todos os dias – mesmo que apenas por 10 minutos

  • Brincar com sons, rimas e palavras inventadas

  • Fazer perguntas abertas (“O que foi mais divertido hoje?”, “Como te sentiste naquela parte?”)

  • Ter zonas ou momentos do dia “livres de ecrã” para todos em casa (como por exemplo às refeições)

A palavra-chave é EQUILÍBRIO  

O equilíbrio entre o digital e o real não se faz com culpa, mas com presença, intenção e consciência. Os ecrãs podem ser parte da vida da criança – mas não devem ocupar o lugar da relação, da brincadeira e da conversa. O desenvolvimento infantil e particularmente a linguagem crescem olho no olho, no tempo partilhado e na escuta ativa.

 Se há tempo livre, que seja também tempo de vínculo e de expressão.

Porque crescer é, antes de tudo, comunicar-se com o mundo.

 
 

@terapiaaoquadrado

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