SABIA QUE O TIPO DE MORDIDA DENTÁRIA PODE INFLUENCIAR A MASTIGAÇÃO E A FALA?
Inês Dias, Terapeuta da Fala
As mordidas dentárias anormais resultam do desalinhamento dos dentes e podem ter várias causas, sendo elas: genéticas, respiratórias (respiração oral) e hábitos nocivos (sucção no dedo ou chucha).
O alinhamento dos dentes e das estruturas orofaciais desempenha um papel essencial não apenas na estética do sorriso, mas também na saúde geral e funcionalidade do sistema estomatognático — o conjunto de estruturas envolvidas na mastigação, deglutição, respiração e fala.
As mordidas dentárias alteradas ou maloclusões referem-se a desvios no posicionamento dos dentes e/ou maxilares, que podem comprometer o funcionamento equilibrado destas funções. Comummente associadas à necessidade de ortodontia, estas alterações devem ser observadas precocemente, já que têm impacto direto no desenvolvimento global da criança e, quando não tratadas, podem prolongar-se até à idade adulta.
Quais são as principais causas?
As maloclusões podem resultar de múltiplos fatores, geralmente interligados:
Genéticos e hereditários: o formato da mandíbula e maxilar, a predisposição ao desalinhamento dentário ou alterações ósseas faciais podem ter origem genética.
Respiração oral: crianças que respiram maioritariamente pela boca, em vez do nariz, tendem a apresentar alterações no crescimento facial, postura da língua e tônus muscular orofacial, o que pode influenciar o desenvolvimento da mordida.
Hábitos orais nocivos: a sucção prolongada do dedo, chupeta, biberão ou mesmo o bruxismo (ranger dos dentes) podem afetar o equilíbrio das forças musculares e dentárias, favorecendo o aparecimento de maloclusões.
Tipos mais comuns de mordida alterada
1. Mordida cruzada
Neste tipo de alteração, os dentes inferiores sobrepõem-se aos superiores ao fechar a boca, o que contraria a oclusão ideal. A mordida cruzada pode ser anterior (nos dentes da frente), posterior (nos molares) ou unilateral/bilateral.
Possíveis consequências:
Desgaste anómalo dos dentes;
Dores de cabeça e musculares;
Desvios mandibulares;
Dificuldades na mastigação e fala;
Alterações posturais e respiratórias.
2. Mordida aberta
A mordida aberta caracteriza-se pela ausência de contacto entre os dentes superiores e inferiores ao fechar a boca. É frequentemente observada em crianças com hábitos prolongados de sucção digital ou oral.
Possíveis consequências:
Dificuldades na articulação de sons;
Comprometimento da mastigação e deglutição;
Alterações estéticas que podem impactar a autoestima;
Maior risco de infeções gengivais;
Padrões respiratórios alterados.
3. Sobremordida ou overjet
Na sobremordida, os dentes superiores cobrem de forma acentuada os dentes inferiores, podendo existir também projeção dos incisivos superiores à frente (overjet).
Possíveis consequências:
Desgaste dentário acelerado;
Dores articulares (ATM);
Comprometimento estético;
Alterações na fala (ex: sons como /s/ e /z/);
Maior risco de traumatismo dentário nos incisivos.
Como tratar?
O tratamento das mordidas alteradas deve ser sempre individualizado, considerando a idade, tipo de maloclusão, impacto funcional e fatores associados.
As opções mais comuns incluem:
Aparelhos ortodônticos fixos ou removíveis, utilizados para alinhar os dentes e corrigir a mordida;
Expansores de palato, especialmente indicados em crianças, para corrigir mordida cruzada e ampliar o arco dentário;
Reeducação funcional orofacial, através da Terapia da Fala, com foco na respiração, deglutição e posicionamento da língua;
Intervenção multidisciplinar, com acompanhamento por fisioterapeutas e psicólogos, sempre que necessário;
Cirurgia ortognática, em casos graves, normalmente na idade adulta, para realinhar a estrutura óssea dos maxilares.
O papel da deteção precoce
Quanto mais cedo forem detetadas alterações na mordida, maior a probabilidade de corrigir com tratamentos menos invasivos e com resultados mais duradouros. A avaliação ortodôntica pode (e deve) ser realizada ainda na infância, mesmo que os dentes definitivos ainda não estejam todos erupcionados.
Paralelamente, o acompanhamento por terapeutas da fala e profissionais de saúde infantil permite atuar sobre os fatores causais e funcionais — como a respiração oral, hábitos nocivos e padrões musculares — que muitas vezes estão na origem destas alterações.
Conclusão
As mordidas dentárias alteradas não são apenas uma questão estética. Têm impacto direto no bem-estar, na funcionalidade e no desenvolvimento global da criança. A sua correção vai além do aparelho dentário: requer olhar atento, intervenção precoce e, muitas vezes, trabalho em equipa entre ortodontistas, terapeutas da fala e outros profissionais da área da saúde.
Na Terapia ao Quadrado, acreditamos que tratar a estrutura e a função em conjunto é o que garante um desenvolvimento saudável — e sorrisos que fazem sentido.