QUANDO AS CRIANÇAS MENTEM (E O QUE ISSO NOS PODE ENSINAR)

Inês Santos, Psicóloga

Baseado em “O livro que gostaria que os seus pais tivessem lido” de Philippa Perry.

Se alguém vos dissesse: “Os vossos filhos vão mentir”, qual seria a vossa primeira reação? Talvez algo como “Os meus não, temos uma ótima relação”, certo?

Mesmo que seja esse o vosso pensamento… a verdade é que os vossos filhos vão mentir-vos. Especialmente quando chegarem à adolescência. E tudo bem. Isso não significa que falharam — significa apenas que são humanos.

Toda a gente mente.

As crianças, os adolescentes, os adultos. É um comportamento natural, que os adultos tratam com leveza, mas que nas crianças é muitas vezes recebido como um “grande erro”. Mas será justo?

O exemplo que damos sem perceber

Dizemos aos filhos para não mentirem, mas depois pedimos-lhes que sorriam e agradeçam o presente de Natal que não gostaram.
Ou mentimos nós, quando dizemos que “não podemos ir” a um jantar, quando na verdade simplesmente não queremos.

Sem nos darmos conta, passamos-lhes mensagens contraditórias sobre o que é aceitável ou não. E eles aprendem — mais com o que veem do que com o que ouvem.

Mentir também é crescer

Mentir é uma tarefa complexa.
A criança precisa de imaginar uma realidade alternativa, lembrar-se dela e ainda perceber o que os adultos sabem. Por isso, antes dos quatro anos, as “mentiras” são mais brincadeiras de faz-de-conta do que enganos reais.

Quando essa capacidade surge, há um certo encanto: “Uau, posso inventar coisas e as pessoas acreditam!”

Muitas vezes, as crianças mentem porque têm medo da reação dos adultos. Outras vezes, para evitar sarilhos, para agradar, ou para exprimir sentimentos que não conseguem explicar. Algumas mentiras são, no fundo, verdades emocionais disfarçadas. E, por vezes, a fantasia é apenas uma forma de consolo.
Nestes momentos, o mais importante não é corrigir — é compreender.
Quanto mais segurança dermos para serem sinceras, menos precisarão de mentir.

Quando os adolescentes mentem

Lembrem-se de como era ser adolescente. A vontade de ter um espaço próprio, de guardar segredos, de construir uma identidade separada dos pais.

Quando um adolescente mente, muitas vezes não está a tramar nada. Está apenas a tentar existir — longe do olhar constante dos adultos. A mentir, sim… mas também a respirar.

O essencial é manter o diálogo vivo, mesmo quando o que ouvimos não nos agrada. Os nossos filhos precisam de saber que podem contar connosco — que não vamos julgar, nem desvalorizar o que sentem. Porque se não for seguro falar connosco nas pequenas coisas, não será quando algo realmente sério acontecer.

A mentira como sinal, não como falha

Quando o vosso filho mente, o impulso é reagir. Mas antes de o fazer, respirem. E perguntem-se:

  • O que o levou a mentir?

  • O que estava a sentir?

  • De que precisava naquele momento?

Validar não é o mesmo que aprovar. É dizer: “Eu vejo-te. Quero perceber-te.” E isso, mais do que qualquer castigo, ensina a verdade.

A mentira é muitas vezes um pedido disfarçado — de espaço, de compreensão, de segurança.
Se formos capazes de ouvir para lá da mentira, encontraremos a necessidade que ela tenta esconder.

Quando é preciso agir

Há mentiras que colocam crianças e adolescentes em perigo real — situações em que estão a esconder algo que os pode magoar. Nesses momentos, o nosso papel é claro: proteger! Mesmo que eles não compreendam. Mesmo que resistam. A segurança vem primeiro. Sempre.

Mas a maioria das mentiras não é isso. A maioria nasce do medo, da vergonha, da vontade de agradar, ou simplesmente da necessidade de preservar um bocadinho de si próprios. E é nessas que mais podemos fazer a diferença.

Quando conseguimos compreender em vez de julgar, ajudar em vez de punir, dar ferramentas em vez de resolver por eles, estamos a construir confiança. E essa confiança é o que pode salvar, um dia, a relação — e até a própria segurança deles.

Porque quando os nossos filhos souberem, no fundo do coração, que mesmo quando erram podem vir até nós, então, quando estiverem realmente em perigo, vão fazê-lo. Vão contar-nos a verdade. E pedir ajuda. E isso é tudo o que precisamos que saibam.

E lembrem-se destas palavras

“Os vossos filhos vão mentir-vos e cabe-vos a vocês não fazerem uma tempestade num copo de água por causa disso”

– palavras de Margaret Connell no livro de Philippa Perry.

 
 

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