SONS QUE ACALMAM

Beatriz Carvalho, Musicoterapeuta

Durante a gestação, o bebé desenvolve uma ligação profunda com o ambiente intrauterino — não apenas através do toque e do movimento, mas também através do som. A audição é um dos primeiros sentidos a desenvolver-se, estando funcional por volta das 25 semanas de gestação. 

Isto significa que, ainda antes de nascer, o bebé é exposto a um conjunto específico de estímulos sonoros que se tornam parte fundamental da sua memória sensorial.

Sons ouvidos no ventre materno

O ambiente acústico intrauterino é caracterizado por sons de baixa frequência, contínuos e rítmicos, que promovem uma sensação de segurança, previsibilidade e conforto. Estes sons incluem:

  • O batimento cardíaco da mãe

  • A respiração e movimentos torácicos da mãe

  • A circulação sanguínea

  • A voz materna, filtrada e ritmada

  • O efeito de “humming” (som contínuo e suave produzido com os lábios fechados)

  • O movimento do líquido amniótico e da placenta

  • Sons do ambiente exterior, atenuados pela parede abdominal e pelo líquido amniótico

Esta estimulação sonora precoce não é apenas percecionada pelo feto, como também é codificada como sinal de segurança. Após o nascimento, muitos bebés demonstram preferência e tranquilidade ao escutar estes mesmos sons — uma forma de “lembrança sensorial” do ambiente protetor intrauterino.

O poder calmante dos sons intrauterinos

A reprodução destes sons no pós-natal pode ser particularmente útil em bebés e crianças até aos 3 anos, sobretudo naqueles com maior sensibilidade sensorial, níveis elevados de ansiedade ou dificuldade em se autorregularem.

A sua repetição, de forma intencional e estruturada, contribui para:

  • Reduzir a excitabilidade fisiológica

  • Estimular o relaxamento corporal

  • Promover o vínculo entre bebé e cuidador

  • Criar rotinas de sono e alimentação mais tranquilas

  • Oferecer conforto em situações de mudança ou instabilidade emocional

Como recriar este ambiente em contexto terapêutico

A musicoterapia é uma das abordagens clínicas mais eficazes para a utilização terapêutica dos sons intrauterinos. Durante estas sessões, são usados instrumentos específicos que imitam o ambiente acústico gestacional, criando uma experiência sensorial envolvente e segura. O ambiente das sessões é cuidadosamente preparado, com baixa luminosidade, ruído reduzido e temperatura confortável, respeitando a sensibilidade sensorial do bebé.

  • Luz reduzida

  • Sons suaves e contínuos

  • Presença ativa dos pais (em especial da mãe)

  • Estímulos musicais adequados à sensibilidade auditiva do bebé

Nestas sessões a mãe deve estar presente e fazer parte da sessão pois não há melhor voz para o bebé que aquela que ele ouviu constantemente durante o período de gestação. A voz materna continua a ser o estímulo mais familiar e eficaz. Quando associada à da terapeuta, recria a alternância entre os sons internos e externos ouvidos no útero.

Instrumentos frequentemente utilizados:

  • Tambor para simular o batimento cardíaco

  • Ocean Drum para imitar os sons fluidos do líquido amniótico e alguns movimentos da placenta

  • Shakers ou maracas representando o movimento e fluxo sanguíneo

  • Voz materna e da terapeuta: a voz materna que está associada à voz interna que o bebé escuta no ventre materno e a voz da terapeuta associada às vozes externas que o bebé escuta também.

Estratégias simples para aplicar em casa

Para além do contexto clínico, existem formas simples e eficazes de integrar esta abordagem na rotina familiar:

  • Conversar e cantar para o bebé com regularidade, mesmo durante a gravidez

  • Usar o humming (som vibratório com os lábios fechados) em momentos de agitação ou na hora de dormir

  • Reutilizar sons e músicas usadas durante a gestação

  • Criar instrumentos caseiros, como maracas com garrafas e arroz, para estimular a exploração auditiva

  • Reproduzir áudios de batimento cardíaco ou sons da natureza, sempre com moderação e supervisão

A consistência, a previsibilidade e a intenção com que estas práticas são aplicadas são fundamentais para que surtam efeito. Mais do que a perfeição técnica, é o envolvimento emocional que faz a diferença.

Conclusão

A ligação entre som e regulação emocional começa ainda antes do nascimento. Compreender e valorizar este princípio permite-nos oferecer às crianças ferramentas simples, mas poderosas, para se sentirem seguras e tranquilas desde os primeiros dias de vida.

Seja em contexto terapêutico ou no dia a dia em casa, a recriação dos sons do ambiente intrauterino representa uma forma natural, afetiva e eficaz de cuidar — e de ajudar cada bebé a encontrar o seu próprio ritmo de calma.

 
 

@terapiaaoquadrado

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