SELETIVIDADE ALIMENTAR NAS CRIANÇAS: O PAPEL DA NUTRIÇÃO
Adriana Cartaxo, Nutricionista
A alimentação saudável na infância é a base para o adequado crescimento e desenvolvimento das crianças.
No entanto, é comum nessa fase as crianças enfrentarem desafios como a recusa alimentar, perda de interesse pelas refeições, resistência em experimentar novos alimentos ou até mesmo resistência em comer alimentos que antes gostavam.
Estes comportamentos conseguem transformar o momento das refeições num verdadeiro campo de batalha com pratos rejeitados, negociações constantes e distrações que acabam por gerar frustração e ansiedade tanto nos adultos como nas crianças.
Embora, por vezes, se trate de uma fase transitória, em muitos casos a ingestão seletiva e a recusa alimentar prolongam-se, podendo representar riscos para a saúde e bem estar da criança.
O que é a seletividade alimentar?
Todos temos as nossas preferências alimentares, mas a seletividade alimentar vai para além das preferências pessoais. A seletividade alimentar não é considerada um diagnóstico clínico em si, mas sim um padrão de comportamento alimentar caracterizado por uma aceitação muito limitada de alimentos e por uma resistência persistente à introdução de novos sabores, texturas ou grupos alimentares.
A intensidade com que se manifesta pode variar, distinguindo-se entre situações mais comuns e outras que exigem maior atenção:
Seletividade alimentar comum: marcada pela recusa de novos alimentos e por um padrão alimentar mais restrito, mas que tende a melhorar com experiências positivas e exposição repetida.
Seletividade alimentar severa: ultrapassa o esperado para a idade, mantém-se ao longo do tempo e interfere no crescimento, na vida social e na saúde da criança. Este tipo de seletividade alimentar mais extrema pode dar origem a problemas de saúde graves como malnutrição, deficiências nutricionais, desidratação severa, obstipação e até impactar o crescimento e o desenvolvimento cognitivo a longo prazo. É mais frequente em crianças com nascimento prematuro, perturbações do neurodesenvolvimento como o autismo, dificuldades motoras ou outras condições clínicas, sendo necessária uma avaliação e intervenção especializada.
A seletividade alimentar é só uma fase?
Nem sempre. É importante diferenciar a seletividade alimentar da neofobia alimentar, que corresponde ao medo ou recusa temporária em experimentar novos alimentos ou desconhecidos. A neofobia é uma etapa normal do desenvolvimento infantil, que surge no final do primeiro ano de vida, atinge o seu pico entre os 18 e os 24 meses e tende a desaparecer naturalmente com o tempo. Faz parte do desenvolvimento da criança na 1ª infância, que nessa fase começa a testar a sua autonomia, a reivindicar alguma liberdade e até a usar a comida como forma de chamar a atenção dos cuidadores e de manifestar as suas preferências.
No entanto, quando a recusa alimentar e ingestão seletiva se prolongam, podem consolidar-se num padrão fixo, onde há o risco da variedade alimentar da criança se tornar cada vez mais limitada, dificultando a diversificação alimentar e a construção de hábitos saudáveis a longo prazo.
Neste caso, já não falamos de uma etapa normal do desenvolvimento, mas de um comportamento que pode estender-se até à adolescência ou vida adulta. Por isso, quanto mais cedo for identificado, mais fácil será intervir e prevenir que o comportamento se consolide em padrões rígidos com riscos graves para a saúde.
Sinais de alerta para os pais e cuidadores
Alguns dos sinais de alerta que justificam atenção e avaliação profissional:
A recusa alimentar persiste por mais de 1 mês.
A criança aceita menos de 20 alimentos diferentes.
Evita grupos alimentares inteiros (por exemplo: frutas, vegetais, carne, peixe).
Demonstra forte aversão sensorial (textura, cheiro, cor, temperatura).
Reage com ansiedade intensa perante novos alimentos.
Recusa alimentos misturados, “que se toquem” ou escondidos em preparações e que não consigam identificar.
Risco de não comer ou beber o suficiente, mesmo quando lhe são oferecidos alimentos familiares.
Há perda ou estagnação de peso.
O crescimento está abaixo do esperado.
Seletividade alimentar vs PIAER
A seletividade alimentar pode ser confundida com a Perturbação da Ingestão Alimentar do tipo Evitante/Restritivo (PIAER), também conhecida por ARFID, já que em ambos os casos existe uma ingestão alimentar seletiva.
A PIAER é uma condição clínica reconhecida e classificada como Perturbação do Comportamento Alimentar. Esta perturbação caracterizada pela presença de um padrão de seletividade alimentar severa, distingue-se ainda pela incapacidade persistente de manter uma alimentação adequada relacionada com a perda/ausência de interesse em se alimentar, o evitamento dos alimentos devido às suas características sensoriais (cor, textura, cheiro, temperatura) ou o medo de consequências adversas ao comer (como engasgar, vomitar ou dor).
Como resultado, há também uma incapacidade em atingir as necessidades nutricionais, levando à perda de peso significativa ou incapacidade atingir o peso esperado para a idade, deficiências nutricionais ou dependência de suplementação nutricional.
Por sua vez, se a seletividade alimentar não for devidamente acompanhada, pode também transformar-se em PIAER.
O papel da nutrição na seletividade alimentar
Uma criança bem nutrida cresce de forma saudável, tem mais energia no seu dia a dia, melhor capacidade de concentração, maior capacidade de aprendizagem e mais equilíbrio emocional. Por isso, é sempre importante encorajar a uma alimentação saudável desde cedo para apoiar o crescimento e desenvolvimento em cada etapa da infância.
O papel do nutricionista é promover um bom estado nutricional, onde todos os nutrientes essenciais estão presentes e ainda intervir para reduzir a resistência e aumentar a aceitação de novos alimentos.
Alguns dos principais benefícios são:
🍎 Suporte ao crescimento e desenvolvimento: garante que a criança se mantém nas curvas adequadas de peso e estatura, previne atrasos de crescimento relacionadas com deficiências nutricionais e assegura a ingestão de nutrientes essenciais.
🥦 Promoção da aceitação alimentar: implementação de estratégias de exposição gradual, adaptadas ao perfil da criança, para reduzir a resistência e aumentar a diversidade alimentar de forma segura.
💪 Mais energia e disposição para as terapias: um estado nutricional equilibrado aumenta a resposta nas sessões de terapia da fala, terapia ocupacional ou psicologia, potenciando os seus resultados.
🥗 Prevenção de complicações a longo prazo: evita a malnutrição, obstipação severa, carências nutricionais e favorece bons hábitos alimentares no futuro.
🤝 Apoio à família: educação e orientação prática sobre rotinas alimentares, técnicas comportamentais e estratégias para melhorar a dinâmica familiar à mesa.
Com uma abordagem personalizada, o nutricionista elabora em conjunto com a equipa multidisciplinar, um plano terapêutico adaptado a cada criança e família, ajudando a transformar momentos da refeição em experiências positivas.
Resumindo…
Concluir que a seletividade alimentar é “apenas uma fase” pode ser arriscado e ocultar outros desafios. A recusa alimentar prolongada pode estar relacionada com uma PIAER e não com a natural seletividade esperada. Em caso de dúvida, é sempre melhor ser avaliado por um profissional especializado.
A intervenção precoce, orientada por um nutricionista, previne o agravamento do estado nutricional e de complicações, como também é essencial para reduzir a resistência alimentar, promover a aceitação de novos alimentos e criar experiências positivas à mesa.
Mais do que reeducar comportamentos, o nutricionista colabora com a equipa interdisciplinar para desenvolver soluções práticas e eficazes que amenizem as dificuldades das crianças e que acolham os pais e cuidadores que se sentem perdidos.
Marcar uma consulta de nutrição especializada em seletividade alimentar pode ser o primeiro passo para transformar as refeições num momento mais leve, saudável e feliz para toda a família.




