O Poder dos Afetos em Terapia

Patrícia Ramos, Psicóloga • 11 de fevereiro de 2025

Quando falamos em terapia, uma ideia frequentemente partilhada é a de que este é um espaço para “resolver problemas” ou “superar dificuldades”.

Contudo, no centro da intervenção terapêutica, encontramos algo mais profundo e transformador: os afetos. Tantas vezes ignoradas ou reprimidas no nosso quotidiano, as emoções tornam-se o núcleo pulsante de qualquer acompanhamento psicológico e é precisamente através do acolhimento dos afetos que se abre caminho para a cura e para o crescimento pessoal.


Como psicóloga, vejo diariamente o impacto profundo que os afetos têm na vida das pessoas. E se há algo que a experiência me ensinou, é que os afetos não são apenas um aspeto da terapia – são a sua essência!

Acredito que são mais do que simples reações emocionais, são instrumentos essenciais para compreender o outro, promover mudanças e construir relações terapêuticas seguras e autênticas. Ademais, na base de qualquer processo terapêutico está a relação entre terapeuta e paciente, que não se trata de um encontro meramente técnico, mas sobretudo de uma relação humana sustentada pela empatia, pelo respeito e pela confiança.


Com uma postura empática, o terapeuta é capaz de captar os significados subjacentes às emoções do paciente, ajudando-o a explorar sentimentos que, muitas vezes, permanecem reprimidos ou desvalorizados. Esta validação emocional é essencial para que o paciente se sinta visto, compreendido e aceite, permitindo que explore as suas emoções de forma segura. Acredito profundamente que o acolhimento genuíno, a capacidade de estar presente, sem julgamentos, é o que permite que o outro se abra e se reencontre. E é nesta conexão, neste espaço de confiança e empatia, que a verdadeira transformação acontece: os afetos são a porta para o autoconhecimento, para o crescimento e para a cura.


Quando alguém se permite sentir – realmente sentir – algo mágico acontece: as barreiras começam a cair, os pesos que antes pareciam insuportáveis começam a aliviar-se, e surge uma nova forma de estar no mundo, mais autêntica e mais livre.


Em termos contextuais, vivemos numa sociedade que muitas vezes valoriza o racional, o lógico, o “ser forte” a todo o custo. Neste cenário, os afetos (especialmente os mais difíceis, como a tristeza, o medo ou a raiva) são colocados de lado, como se fossem fraquezas que precisam de ser escondidas ou superadas. Em terapia auxiliamos as pessoas a perceberem que, longe de serem fraquezas, os afetos são mensagens preciosas do nosso mundo interior e contam histórias que precisamos escutar verdadeiramente.


Cada emoção, por mais desconfortável ou avassaladora, carrega em si uma mensagem e uma oportunidade de transformação, permitindo transitar do medo para a aceitação, da confusão para a clareza, da dor para a esperança. Lidar com estes afetos no contexto terapêutico pode ser muito doloroso. Existem momentos em que estar diante da dor do outro é desafiante, relembra o quanto a humanidade pode ser dura. Por outro lado, também aviva o quanto somos resilientes. A cada lágrima, a cada silêncio, percebe-se o potencial de reconstrução e o poder que existe em simplesmente ser ouvido.


Os afetos não são “fraquezas” a evitar, nem obstáculos a superar, são o nosso alicerce, aquilo que nos torna profundamente humanos. São a ponte entre o que fomos, o que somos e o que podemos ser. 


Trabalhar com afetos na terapia implica, muitas vezes, lidar com resistências. Alguns pacientes podem ter dificuldade em identificar ou expressar os seus afetos, seja por medo do julgamento, seja por mecanismos de defesa como a negação ou a intelectualização. Nestes casos, o papel do terapeuta é, gradualmente, ajudar o paciente a tomar consciência das suas emoções, a senti-las e expressá-las de forma saudável e segura.


Quando um paciente aprende a reconhecer, aceitar e regular as suas emoções, ganha uma maior compreensão de si mesmo e das suas dinâmicas relacionais. É ainda necessário que o terapeuta esteja preparado para identificar fenómenos como a transferência e a contratransferência, em que os afetos podem ser projetados para a relação terapêutica, muitas vezes de forma inconsciente. Em qualquer dos casos, é importante que o terapeuta mantenha uma postura técnica e ética, combinando empatia com rigor técnico, e garantindo que a exploração dos afetos ocorre num ritmo adequado ao paciente, e com recurso a intervenções baseadas na validação emocional, psicoeducação e regulação afetiva. Uma condução pouco cuidadosa pode levar a retraumatizações ou a retraimento emocional.


Em suma, os afetos são o coração do processo terapêutico. Não só nos ajudam a entender o que o paciente sente, mas também a construir a relação que sustenta todo o trabalho terapêutico. Deixam de ser ruídos incompreensíveis para se tornarem sinais valiosos daquilo que o paciente precisa.


O trabalho terapêutico com os afetos não é apenas sobre aprender a lidar com emoções difíceis, mas sobre redescobrir a humanidade que reside em cada sensação, em cada lágrima, em cada sorriso. É reconhecer que, longe de serem um obstáculo, os afetos são os fios que tecem a nossa história e a nossa identidade. Como psicólogos, é nossa responsabilidade acolher os afetos, explorá-los com delicadeza e profundidade, e utilizá-los como ferramentas para promover o crescimento emocional. 

 

Sentir é, afinal, um ato profundamente humano e, em terapia, pode ser a força que transforma, reinventa e liberta!

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